8.8.11

"ele e uma argentina..."

num diálogo informal,

h: "ah! você gosta do nelson freire!! ele é muito bom, né??
lmmc com alegria no coração: "você conhece ele?"
h: "sim, sim! uma vez, assisti ele tocando no municipal do rio. ele e uma pianista argentina."
lmmc com os olhos saltados e a mandíbula caída: "c-c-c-como é que é? você viu os dois juntos? no municipal do rio??
h: "sim!! não me lembro ao certo quando. talvez há uns quatro anos..."
lmmc com o coração a saltar pela boca: "isso foi em 2004! essa foi a última vez que a martha veio ao brasil.."
h: "isso, acho que foi isso mesmo....foi demais!! que coisa linda!"....


foi assim, num tom informal que a helô, amiga e dentista carioca de longa data da minha família me contou que havia assistido martha argerich e nelson freire tocando juntos. 

contou como se fosse assim, algo comum, que acontece todo dia, sem saber que esteve num dos concertos mais impressionantes dos últimos 10 anos no brasil, que sacudiu a crítica e que deixou marcas no mundo erudito brasileiro. 
esse concerto é comentado até hoje.

arthur nestrovski , diretor artístico da OSESP, escreveu a seguinte resenha publicada na folha de s. paulo acerca desse concerto (mas na versão sala são paulo, que acho que foi 2 dias antes do municipal do rio):


Acima da Música, Através da Música
Arthur Nestrovski - Folha de S.Paulo 21/09/2004 
Martha Argerich e Nelson FreireSala São Paulo, 19/9/4


Saindo do palco devagar, de mãos dadas e conversando, parecia até que não tinham feito nada demais. Mas tinham feito pouco menos que tudo e a ovação da platéia era um modo franco de agradecer o milagre. Aguardado há décadas, cancelado mais de uma vez, o concerto de Martha Argerich com Nelson Freire – tocando juntos pela primeira vez no Brasil – levou a música a um limite do que pode ser, e nos tornou testemunhas de algo muito fora do comum.
Ainda no intervalo – isto é, antes das faiscantes Variações Sobre um Tema de Paganini, de Lutoslawski (1913-94) e da arrebatadora La Valse de Ravel (1875-1937) – o menino pianista Pablo Rossi já cravara a definição das coisas. “Tocam piano”, alguém comentou. E Pablo: “Fazem muito mais do que isso”. Ele tem toda razão. Sem esquecer um segundo da presença, para não dizer da alegria material das teclas, gozando o prazer de tocar piano, os dois têm a atenção voltada para outros sentidos e outras alegrias, maiores ainda.
A aceitação transcendental da música, e do que a música pode nos dar, facilitada pelo gênio humano de um e outro (e um com o outro) enche a sala de energias raras. O que não significa sempre exultação. O que dizer da reserva do Schubert que eles fizeram? Um Rondó (D. 951) suspenso no tempo, com toda a carga de afeto protegida por um manto de colcheias perfeitas, até a modulação dramática no meio, rememorada sutilmente na oscilação maior-menor dos últimos compassos, tocados do lado de lá da vida.
Depois disso, o Ravel soava como uma homenagem ainda mais exuberante às glórias vienenses do passado. E traduzia os encantamentos melancólicos de Brahms (Variações Sobre um Tema de Haydn) e os contentamentos tristes de Rachmaninov (Suíte n. 2), na primeira parte, para um reino de entendimento feliz de tudo.
De um concerto desses, dá vontade de descrever dezenas de detalhes, sejam musicais – o virtuosismo delirante, a sutileza das texturas estereofônicas, o pulso elástico, os baixos que pareciam contrabaixos –, sejam pessoais – o quase sorriso de Nelson antes de começar La Valse, os charmes de Martha com o embevecido virador de páginas, o vibrato que ela faz no pedal, ou sua cara de dor com um mi agudo, levemente abaixo do que deveria. Sem falar nas conversas saindo do palco, como se estivessem sozinhos, e não na frente de 1.600 pessoas. Mas nada disso serve de emblema daquilo que a música serve de emblema, quando os dois estão tocando. Embora seja tudo parte daquilo também.
Se eles atingem uma certa leveza, que sustenta a música por dentro, isso não vem só da graça das formas. Se tudo o que fazem é sempre tão bonito – incluindo os bis (Debussy, Guastavino, Tchaikovski e Mozart) –, isso só se dá porque, para músicos assim, a música está realmente acima de tudo. Mas nesse ponto a música se consome e fica claro que os dois, no palco, são mais importantes um para o outro até do que a própria música. O que explica, afinal, nossa comoção e nossa ovação, ante o milagre maior de todos.


o concerto que eu daria muita coisa para estar.
e lá estava ela....


ai, ai!

2 comentários:

  1. é impressionante como você consegue nos envolver em seus post's..
    me imaginei nessa situação querendo muito estar em um lugar e a pessoa que esteve não teve a noção da grandiosidade! rs

    eu adoro os seus post's ;D

    boa semana :)

    by: @jeecaastroo

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  2. Em mais de uma entrevista, o Arthur Nestrovski citou esse concerto como talvez o mais memorável que ele testemunhou no exercício da crítica musical. Chegou a comentar que Martha e Nelson haviam inscrito o amor naquele palco.

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