23.3.10

Die Moldau


texto escrito enquanto eu ouvia "Die Moldau", composição orquestral de Smetana.


a noite já dormiu, e meus olhos não fecham.

dentro de meu corpo, sinto um milhão de sensações. sinto música que não sei exprimir ou explicar. sinto uma saudade do que ainda não tive, e sinto um amolecer macio, um misturar de todas as sensações possíveis.

vontade de viver da escuta, da poesia e do belo. vontade de viver da pena e do pergaminho, livrando minha mente dessa melodias que tanto me rondam, e se recusam a me largar. sinto um prazer desmaiado, entregue. um levitar parado, que transcede qualquer tentativa de explicação de êxtase. sinto a estranha delícia oriuda da mistura da boa e amarga solidão.e meus olhos vão fechando, mas não por sonolência. fecham por não conseguirem suportar esse meu desmanchar interior. fecham para acompanhar o resto do corpo e serem tão internos quanto qualquer outra parte mim. fecham-se para impedir a entrada de qualquer elemento que não pertença a esse momento de beleza. e um sorriso se esboça. um sorrir que é só lábio. as notas me embalam, e dançam comigo. e eu danço e danço solitária. os olhos fechados agora equilibram algumas gotas que ameaçam despencar. e é como se um rio imenso corresse por minhas veias com suas águas hora corridas, hora plácidas. e nesse andar, eu sou parte das correntes, misturando-me nessa cadência. meus pés se apertam, pois não pisam. eu suspiro baixinho, e meu lábios novamente se contraem amordaçando um riso de mim. lembro da ponte e do vlatava. vontade louca daquele afago e daquela brisa gelada de fim de inverno. vontade do chão de pedras pequenas e vontade de olhos bem abertos,desesperados, sem saber exatamente como fixar pra sempre na lembrança um momento de beleza tão sublime. saudade daqueles braços abertos, e da sensação de estar no topo do universo, sem mais niguém. e as águas continuam a correr, incansáveis. minhas mãos acompanham as nuances melódicas do rio, e a mente relembra a brancura dos tchecos, pálidos e de feições congelantes, assim como as correntes que a pouco escorriam.

eu preciso voltar a Praga, antes que me afogue nessas águas que a todo instante me inundam os pensamentos.