29.12.10

ler, ouvir, escrever

olhei a hora: duas da manhã.

a noite foi cansativa, cantei, abracei..


e estou aqui acordadíssima.

a música me impede de dormir. é imperativa.

não sei se as horas da madrugada contém alguma magia, mas eu me sinto tanto mais musicalmente vulnerável dentro da noite profunda.


meu professor de história da música fez algo que mudou minha vida em termos de organização de aprendizagem musical durante o período da faculdade: entre outras coisas, dividiu em 3 categorias as atividades que os alunos deveriam realizar.

estas eram: ler, ouvir, escrever.

assim, à medida que avançávamos no estudo, obtínhamos uma sólida base de acúmulo de conteúdo (ler), contato efetivo com o produto da teoria (ouvir) e a oportunidade de produzir algo escrito acerca do que havia sido estudado (escrever) não só analisando a música em voga, mas emitindo nossas impressões sobre aquilo que havia sido absorvido.


que prática importante!

foi tão constante que, para mim, tornou-se um hábito que se perpetua, mesmo agora que já me formei.


porque a música é intrigante dentro ou fora da sala de aula.

a sede por entendê-la é o fator que nos leva a desenvolver os mais profundos níveis de sensibilidade e compreensão, que na maioria das vezes, sempre estiveram dentro de nós, ouvintes, perdidos em algum lugar.


esta compreensão torna o ato de “ouvir música” mais do que ter meramente um fundo musical enquanto se executa outra atividade qualquer.

dentro desta perspectiva, o ouvir é primordial, é o foco da concentração, como uma platéia contempla uma peça de teatro, ou assiste a um filme no cinema, reagindo ao drama, ao humor, à tragédia, ao medo, ao romance.


a música é tudo isso. mas sua mensagem é tão mais subjetiva que rapidamente elimina dos ouvintes preguiçosos o privilégio de compreendê-la. degustá-la própriamente exige atenção, e mais que isso, exige uma alma profunda, com possibilidades de expansão.


e é exatamente isso que me manteve com os olhos bem abertos até agora. e não só abertos, mas ora marejados, ora apertados. eu ainda fiz pausas, corri para o livro, li análises e descrições, voltei a ouvir, e o que já era “bonito” e profundo intuitivamente fez sentido teorica e estruturalmente. uma engenhosa arquitetura, tão complexa e tão bela.


não faz muito tempo, quando comecei a ensinar música, me deparei com uma grande fatia da sociedade que não sabe e nem quer aprender a ouvir música. esta tornou-se passatempo, e não arte. isso me perturbava profundamente. mas com o tempo foi que entendi que encontrava alunos avessos à música em geral, sobretudo a clássica, não porque ela seja desinteressante, mas porque não compreendiam suas nuances...


esse se tornou meu alvo e minha premissa: antes de qualquer outra coisa, a primeira lição é desvendar a arte de ouvir.

quando essa cortina se abre, a curiosidade se encarrega do resto.


foi exatamente o que aconteceu comigo.

esta noite, sem que eu percebesse, passei voluntariamente pelas 3 categorias do professor jetro.


apesar de não ser sobre a música que ouvi a pouco, este texto materializa a terceira delas :)

2 comentários:

  1. Laura como sempre vc me emociona com seus textos. Eu amo a música, e a forma como vc descreve as coisas me fazem ainda mais amar essa maravilhosa maneira de fazer arte. Pra mim a mais bela de todas. Música !

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  2. Menina, adorei o texto. A descrição é perspicaz e sublime concomitantemente... lindo!

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