havia muitas persianas na casa bege. todas igualmente incolores e discretas. mas o último quarto do corredor `a esquerda, apesar de ser todo branco, tinha uma persiana verde-água, que quando fechada , sob os reflexos do sol, dava ao aposento um aspecto marítimo, aquoso. o tapete era verde também.
mas por alguma razão, nunca gostou daquele quarto. desde a primeira vez que pousou seus olhos sobre a porta, não se dispôs a habitá-lo.
gostou do aposento vizinho. a cama possuía um lugar estratégico, ao lado da janela, de modo que ao amanhecer, acordaria vislumbrando a bela paisagem ornada com umas tantas espécies de folhigens com o sol nascente de constraste, obrigando-a a abrir os olhos sonolentos. esse seria o quarto perfeito! além do mais, a porta tinha tranca. o quarto verde não tinha janela estratégica nem tranca na porta.
tanto desdenhou que conseguiu o quarto escolhido. não demorou muito, pintou as paredes de dois tons de roxo, afim de deixá-lo ainda mais parecido consigo. mas como aquela moradia era para si inconstante e esporádica, ausentou-se por um tempo. ficou distante e o quarto amado esvaziou.
e durante esse exílio, sentiu saudade das manhãs ensolaradas, das venezianas brancas e das paredes roxas. deu-se por orgulhosa ao constatar que tinha feito a escolha acertada.
foi tão longo seu sumiço que quando voltou, o quarto que tanto almejara já tinha novos hóspedes. apesar da tremenda frustração, não deixou-se abalar, pelo fato de saber que eram meros hóspedes e não moradores.
sendo assim, restou-lhe o quarto rejeitado: aquele das persianas verde-água. o quarto não abrigava, não tinha aspecto de refúgio ou aconchego. não tinha espaço para seus pertences. não tinha cama. mas o pobre aposento parecia admitir sua limitação. diante desta humildade, ela aceitou fazer uma experiência, nem que fosse por pouco tempo e ainda que possuísse um espírito cheio de preconceito.
até que não foi tão mal. apesar dos pesares, o quarto rejeitado era silencioso e suficientemente iluminado para suas leituras.
mas ser bom apenas não bastava. quando transitava pela casa durante o dia, parava em frente ao quarto roxo, com um suspiro saudoso, um olhar ciumento e uma feição de posse. aquele sim lhe pertencia. era aquele que havia escolhido e haveria de morrer brigando por ele.
voltou ao quarto branco, fechou a porta sem tranca e resolveu escrever em tom de revolta, ao som da chuva que escorria. por um instante percebeu aquele ambiente lhe privava os ouvidos de todo ruído e balbúrdia que aconteciam na casa. só escapava o barulho das gotas pontiagudas da chuva.
um sentimento de pena misturado com culpa apoderou-se dela, ao perceber sua negligência para com os esforços do quarto que tentava agradá-la, e voltando seu amor para o quarto ocupado.
dali então, não mais desdenhou o quarto branco sem tranca. e nem mais o denominou assim.
esse era agora, o quarto verde, do silêncio bom.
decidiu que viveria ali, sem maiores ansiedades, até que seu prometido vagasse.
e foi feliz assim.
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quarto é que nem gente. relacionar-se com eles é no mínimo, interessante ;)